03/07/2020 Fernanda Krüger Literatura e Leitura
Cartaz comemorativo do Dia Nacional do Livro Infantil. Arte: Kelly Abreu.
Um panorama e a análise das características essenciais da literatura infantil e juvenil contemporânea brasileira e as principais diferenças entre este período e os três anteriores
Antes de mais nada, o período contemporâneo da literatura infantil e juvenil brasileira se dá a partir de 2005. Para observar as diferenças mais relevantes entre ele e os três predecessores, é necessário traçar um breve panorama de séculos anteriores, tomando, em consideração, as regiões com seus respectivos contextos sociais e, assim, analisar as possíveis origens da literatura no Brasil.
Durante a Idade Média, não havia uma linha divisória entre o universo adulto e o infantil. As crianças eram vistas e tratadas como adultos em miniatura. Esta perspectiva refletia-se também na literatura mundial – os temas dos textos e dos livros voltados ao leitor adulto eram os mesmos oferecidos às crianças.
Até meados do século 16, eram inexistentes livros e bibliotecas no Brasil. As culturas locais – dos povos originários – eram transmitidas e perpetuadas por meio de narrativas orais e das memórias de seus grupos.
Em 1500, os portugueses chegam ao Brasil, marcando o início do Período Jesuítico (1500-1759), identificado com um forte caráter religioso, hierárquico e doutrinador europeu. Enquanto na Europa os padres jesuítas buscavam evitar o fortalecimento do protestantismo, a função deles no Brasil Colônia era evangelizar e converter os indígenas ao cristianismo. Para isso, necessitavam ensinar os nativos a ler e a escrever.
Com a instalação do Governo-Geral em Salvador (1550), estes missionários, subsidiados pelo Estado português, estabelecem, a partir de então, várias escolas no país. Até 1759 – quando são expulsos do país pelo Marquês de Pombal, devido a conflitos de interesses –, os jesuítas são os responsáveis pela educação de indígenas, escravos e colonos e, também, pela formação de sacerdotes e da elite local. A referência pedagógica dessa educação foram os princípios cristãos europeus, o estilo literário de autores clássicos e a escolástica medieval, respectivamente.
Em 1808, fugindo das tropas de Napoleão, a família real portuguesa vem para o Brasil, trazendo consigo a Biblioteca Real – considerada uma dependência da Casa Real e patrimônio do rei. Seu acervo era variado e dividido em coleções restritas aos monarcas e dedicada à educação das crianças nobres. Posteriormente, essa biblioteca (hoje, a Biblioteca Nacional) foi aberta aos estudiosos e a um público restrito.
Partindo deste breve panorama histórico e com base na classificação de Nelly Coelho, analisaremos a literatura infanto-juvenil brasileira em três períodos.
O primeiro deles – o Pré-Lobatiano (1808-1919) – é considerado a época dos precursores da literatura, senão brasileira propriamente dita, ao menos abrasileirada. Esta época – reconhecida pela tradução de contos estrangeiros para a língua portuguesa de Portugal – foi, também, um período de lançamento de contos populares brasileiros (Silvio Romero – 1883) e adaptações de contos infantis para o uso em escolas primárias (Júlia L. de Alemeida e Adelina L. Viera – 1886).
A partir de 1889, com o fim do Império e a Proclamação da República, inaugura-se o interesse pela confecção de uma literatura didática. Surgem coletâneas de narrativas orais populares, revistas literárias (Tico-Tico – 1905-1977) e contos para crianças (Viriato Correa e João do Rio – 1909).
Em maior ou menor intensidade, essas obras pioneiras evidenciavam uma ideologia literária cristã-burguesa-liberal, trazendo textos de cunho moral, religioso, nacionalista, patriarcal, didático, adultocêntrico e tradicionalista.
O segundo período, denominado Lobatiano (1920-1970), foi um divisor de águas. Apesar da polêmica personalidade, Monteiro Lobato foi de larga importância para a literatura nacional. O autor não só traduziu e adaptou obras estrangeiras para o português do Brasil, mas, também, acrescentou elementos folclóricos nacionais a suas narrativas, valorizou o papel das ilustrações na produção de livros e foi pioneiro na criação de associações literárias e editoras no país. Além disso, Lobato – que iniciou a carreira de escritor com textos para adultos – deixou uma vasta obra destinada ao universo infantil. Ele acreditava na sensibilidade das crianças e criou histórias caracterizadas pela fantasia, pelo maravilhoso e pelo uso de vocabulário e elementos regionais (nacionalismo e tradicionalismo). Destacam-se, aqui, o livro Reinações de Narizinho e sua obra mais popular – posteriormente transformada em série de TV – O Sítio do Picapau Amarelo.
O período Pós-Lobatiano (a partir de 1970), o terceiro deles, é assinalado por abundante criatividade dos autores da literatura infantil e juvenil. Considerado uma linha divisória entre a perspectiva literária infantojuvenil antecessora e a atual, esse período abre portas ao experimentalismo com a linguagem e a imagem, permitindo uma inversão de valores ideológicos dos períodos anteriores e dando lugar ao questionamento dos valores e normas vigentes na sociedade à época. Temas urbanos, relativos às relações humanas e à realidade brasileira de grupos marginalizados – até então um tabu – passam a estar presentes nas narrativas das novas produções literárias. A ilustração e o projeto gráfico dos livros começam a ganhar um novo status e a serem vistos com a mesma importância do texto, ele mesmo. E o ponto de vista da criança é tido como prioritário.
Aqui, cabe lembrar a importância das revistas Tico-Tico (período Lobatiano) e Recreio (anos 80), na formação de novos leitores.
A fim de prestigiar e estimular essa intensa produção literária, inovadora e criativa da época, foi instituída, em 1961, e reformulada em 1971, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – cujo objetivo era promover o ensino da língua portuguesa por meio da literatura e o crescimento do mercado editorial nacional.
Desde então, diferentes iniciativas governamentais procuram garantir a democratização do acesso ao livro e à leitura.
A partir 1980, o Ministério da Educação (MEC) começou a investir em diferentes programas de incentivo à leitura:
- Programa Nacional de Sala de Leitura (PNSL / 1984-1987);
- Proler (1992);
- Pró-Leitura na Formação do Professor (1992-1996);
- Programa Nacional Biblioteca do Professor (PNBP / 1994-1996);
- Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE / 1997).
Nota-se que as diferentes edições do PNBE, instituído no governo Fernando Henrique Cardoso, tiveram objetivos distintos e específicos para a distribuição das obras. Ora o PNBE contemplava escolas com a distribuição de acervos, materiais específicos para alunos com necessidades especiais e equipamentos eletrônicos, privilegiando uma determinada categoria de ensino da educação básica por vez; ora concentrava-se na formação docente de qualidade e na implantação de diretrizes para a formação do leitor.
Em suma, podemos dizer que o período literário contemporâneo se diferencia dos três anteriores – estabelecidos por Nelly Coelho – não só pela instalação de políticas públicas de leitura, visando à democratização do acesso gratuito ao livro, à leitura e à educação de qualidade, mas, também, pelos programas para capacitação dos profissionais e para formação do leitor crítico. Mais do que impulsionar o mercado editorial, fazer parte dos acervos de bibliotecas e chegar até as escolas e/ou lares dos alunos, a literatura contemporânea brasileira tem um alvo: o espaço didático de destaque na formação do leitor crítico.
POSTS RELACIONADOS:
Desafio 18 de abril - Dia Nacional do Livro Infantil (2018)
Monteiro Lobato: "Um país se faz com homens e livros" (2018)
BRmais na Frankfurter Buchmesse (2019)
18 de abril - Dia Nacional do Livro Infantil (2020)
Este breve texto sobre os caminhos da literatura para a infância no Brasil foi escrito como tarefa de um dos módulos da Especialização em Literatura Infantil e Juvenil que estou cursando. Referências: material compartilhado pelo professor.
Idealizadora e fundadora do br+ Foco no lado positivo do Brasil!© e da iniciativa pioneira BRmais e o Português como Língua de Herança no Ensino Globalizado©. É também cofundadora do programa de leitura em língua portuguesa Encontros de Leitura/ Portugiesischer Vorlesetreff, na Biblioteca Infantojuvenil de Frankfurt e criadora do selo editorial Papagaios pelo Mundo®. Especialista em LIJ pela UCAM.