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Tajine ao dendê: uma aventura no deserto marroquino

16/01/2019 Eveline de Abreu Textos contemporâneos

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Foto: Marco Verch

Atravessei o Estreito de Gibraltar num ferry espanhol de nome Maria Dolores. A garrafa pequena de azeite-de-dendê e o pão dormido me acompanhavam desde a Provence, sudeste da França. Já na Espanha, periferia de Málaga, encontrei a castanha-de-caju e o leite de coco. Ficou faltando para sempre o camarão seco. 

Pela contingência do azeite escasso, a cor do dendê teve que ser realçada pela inversa disponibilidade da cúrcuma. A comida (vatapá, caruru, moqueca de galinha e arroz branquinho), feita e apresentada em tajines de barro.

À parte os djelabas (túnicas), as mulheres de cabeças cobertas e o árabe incompreensível, os marroquinos correspondem com exatidão ao nosso tipo moreno. O mercado de Errachidia é tal e qual a Feira de São Joaquim, em Salvador, em cores, cheiros e algaravia. O quiabo encontrado lá é um diabinho espinhento de trato difícil. Camarão? Nem seco, nem fresco, nem pensar!

Pra temperar no primeiro instante, uma farinha de castanha, amendoim e amêndoas moídas grosseiramente. Purê de cebola, alho e tomate. Cúrcuma pra dar a cor. Sal.

Pro final, leite de coco, dendê. Cheiro-verde picado. Tomate, cebola e pimentão verde fatiados. Meio molho de coentro e cebolinha pra decorar a moqueca.

O vatapá, resultado do pão dormido mergulhado em leite desnatado. A pasta firme obtida no liquidificador foi pra panela (tajine), com a farinha de grãos e o purê até desgrudar do fundo. Depois da cúrcuma, vieram o azeite dourado e um leite de coco bem módico.

A moqueca foi nada mais que a galinha cozida sem pele, osso e gordura. Ao que foram acrescentados a farinha e o purê. Que nem o vatapá, colorida pela cúrcuma e, em seguida, azeite-de-dendê e leite de coco sem exageros. As rodelas de cebola, pimentão e tomate (nesta ordem) vieram no final pra preservar a consistência 'al dente'. Apagado o fogo, o cheiro-verde picadinho compondo o verde-e-amarelo. Na hora de servir, galhinhos de coentro e salsa pra enfeitar.

O quiabo pro caruru recebeu sumo de limão, pra desgarrar a baba, e incorporou a farinha, o purê, e o dendê.

Ficou gostoso. Simples e trivial nos temperos de base. Mas original nas amêndoas e na cúrcuma, como colorante; no tajine, pra cozinhar e servir; e na ausência total e absoluta do camarão seco.

Servi a africanos do Maghreb a nossa desconhecida comida africana, pendurada a mil metros de altitude. Na impressionante hostilidade climática da boca do Sahara, rolava um espetáculo de lamber os beiços.

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BOCADOS PARA 8 PESSOAS:

1/2 garrafa pequena de azeite-de-dendê

3 bisnagas médias de pão dormido

1 latinha de leite de coco

1 latinha de castanha-de-caju

cúrcuma em pó

1 latinha de amêndoa

1 latinha de amendoim

34 quiabos bem pequenos

1 molho de cheiro-verde

2 pimentões verdes médios

1/2 molho de coentro

1/ molho de cebolinha

2 cebolas grandes

6 dentes de alho

8 tomates

8 coxas de galinha

1 limão

leite desnatado

cúrcuma no ponto de colorir o pouco dendê

sal

Não vou mentir, a farinha de castanha, amêndoa e amendoim e mais o purê de cebola, alho e tomate, foram sendo incorporados aos pratos na medida do meu paladar. O que posso afirmar é que não gosto de vatapá e caruru moles. Portanto, o ponto é o de purê bem consistente!

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Eveline de Abreu

Publicitária e redatora. Descobriu a vocação para ensinar quando dirigia a assessoria de comunicação de um órgão público e precisou treinar e capacitar estudantes de jornalismo. Desde 2007 na Europa, adaptou esta experiência exitosa à versão digital e fundou a Incubadora de Escritores – serviço on-line de análise e parecer, apoio no desenvolvimento de textos, capacitação e revisão de conteúdo. A nostalgia do Brasil a levou a cozinhar e anotar receitas, na tentativa de compensar pela boca a saudade que lhe invadia o coração. O resultado tem sido a culinária natal, reinventada com produtos locais, e textos de dar água na boca.