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OFÍCIO DE BORDADEIRA E RENDEIRA DE OURO PRETO É PATRIMÔNIO IMATERIAL

09/08/2020 Mazé Torquato Chotil Raízes Culturais

O reconhecimento de uma arte que utiliza técnicas seculares, transmitida de mãe para filha desde o século 18, que os portugueses trouxeram para a região, na época do Brasil colonial.

As cores são vivas, os motivos são a fauna, a flora, o relevo, a paisagem urbana, tudo em ponto cheio, cruz, vazado  a estampar, com beleza e poesia, lençóis, fronhas e colchas, quadros, tapetes e almofadas, panos de copa e cozinha, bolsas, saias e vestidos.  As técnicas são muitas e tantas, como a marafunda, bordado em chita, abrolhos. São bordados e rendas feitos à mão, que alegram a vida de quem os faz e dos que os adquirem. 

Transformar linhas e tecidos manualmente é a arte que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural de Ouro Preto (COMPATRI/OP) – cidade classificada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em 1980 – decidiu, por sua vez, declarar, como patrimônio imaterial, o ofício das bordadeiras e rendeiras da cidade, em 2019. Trata-se da valorização do trabalho das bordadeiras e rendeiras, apoiando estas artesãs – com um  selo de qualidade – em eventos e na divulgação de seus produtos. 

Mais um a se juntar aos precedentes, como  a festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito, a produção artesanal de doces de São Bartolomeu, a festa de Nossa Senhora dos Remédios do Fundão do Cintra, a Cavalhada de Amarantina e a celebração em honra do Divino Espírito Santo e São Bartolomeu.

 

Entre rendas, bordados, pontos e agulhas

Ao que se sabe, o ponto cruz existe desde tempos imemoriais. Já o ofício de bordadeira e rendeira remonta ao  tempo do Brasil Colônia, no século 18, quando Ouro Preto ainda se chamava Vila Rica. O ofício foi trazido ao Brasil pelos portugueses nos enxovais e em roupas eclesiásticas. Transmitidas de mãe para filha desde então, estas habilidades  estão no âmago da tradição familiar e, em tempos mais recentes, começaram a sair das casas para ocupar as praças comerciais, transformando-se em meio de vida e ganho para mulheres artesãs e suas famílias. Porém não só como fonte de renda, mas, também, de sociabilização e manutenção da saúde psicológica.

Pessoas simples,

as bordadeiras são artistas

que produzem coletivamente

e transmitem a prática

de uma cultura ancestral.

 

Uma de suas técnicas é a renda marafunda. Produzida sobretudo pelo grupo da Associação de Arte, Artesanato, Cultura e Ofício do Bairro São Cristóvão (AACO), bordada com agulha, linha de fios torcidos, sobre tecido de linho, com o apoio de bastidor, é muito utilizada na ornamentação de altares de igrejas barrocas.

A técnica estava restrita a um pequeno número de senhoras, que mantinham a tradição apenas na esfera particular, quando começou a ser impulsionada pelo grupo de artesãs da AACO. Desde então, a renda marafunda tem sido objeto do aperfeiçoamento de técnicas e difundida por meio de cursos e oficinas, o que perpetua a tradição do século 18.

A composição do bordado garante sua originalidade e beleza. A base é composta pela alternância de espaços quadrados que segue a sequênciade um quadrado vazio e outro com fios. Espaçamento obtido por cortes paralelos no tecido tanto em sentido vertical, quanto horizontal. O tecido éentãodesfiado, obedecendo a esta estrutura. A tela resultante é bordada acompanhando uma grande variação de pontos.

 

Renda marafunda, feita pelas artesãs da AACO do Bairro São Cristóvão. (Foto: Barbara Mançanares).

  

A renda abrolhos é feita das pontas de um tecido. Em seguida, os fios da franja são trançados e amarrados em nós especiais, tecendo os desenhos da renda. Chegou ao Brasil pelas senhoras que teciam seus enxovais de casamento. Posteriormente, a técnica seria ensinada pelas sinhás às escravas. Junto aos nós, vários objetos podem ser utilizados para enfeitar o trabalho, como bolinhas decorativas para entremeios, sementes perfuradas, strass e o que mais servir ao trabalho. 

A técnica de arraiolo, feita, pelo que se sabe, na Península Ibérica, desde o século 12, chegou a Minas, como muitas outras, com os colonos portugueses, e se difundiu rapidamente nas cidades de Sabará, Tiradentes, Ouro Preto. Tapetes são bordados em lã, à mão, geralmente em uma tela de juta, oriundos da vila de Arraiolos, no distrito de Évora, Alentejo. 

Quem nasceu no interior e não conhece a chita e o chitão? Este tecido tipicamente brasileiro, com motivos florais e cores vivas, está presente em festas populares e folclóricas, como o maracatu e a quadrilha das festas juninas. Utilizando este tecido e bordando diferentes pontos, as artesãs de Ouro Preto oferecem, aos olhos, bolsas e almofadas de grande riqueza, uma das importantes formas de criação contemporânea.

Bolsas em chita bordada. (Foto: Pedro Augusto Rodrigues).

 

 

Rendeiras e bordadeiras de grupos e associações 

E, por falar de produções artesanais em grupo, não se pode esquecer do Grupo Colcha de Versos que produz peças de cama e mesa, copa e cozinha com bordados, que reverenciam a cultura local. Bordam, em sua maioria, poesias de escritores, que viveram em Ouro Preto no século 18, como Tomás Antônio Gonzaga.

A Associação Artes, Mãos e Flores produz diversos tipos de materiais bordados, como panos de mesa, prato e bandeja, além de bolsas, capas de agendas, colchas, fronhas e roupas. 

Já o Grupo Mulheres de Fibra congrega bordadeiras, que recorrem a técnicas e linguagens para ilustrar ícones ouro-pretanos,  utilizando fio de meada e o ponto livre em um mesmo tema. 

Paisagem minerira, com os pntos matisse, haste, cheio e rococó (técnica de pontos livres). (Foto: Sara Macfadem, do Grupo Mulheres de Fibra).

Enquanto o Grupo Mulheres em Ação produz não apenas bordado como vários outros artesanatos (croché, patchwork, costura e rendas), o Doninhas de Lavras Novas – nome de um bairro de Ouro Preto, de importante diversidade cultural – utiliza material reciclado para a confecção de artesanato e  a taquara como matéria-prima. 

Com o compromisso ecológico de menor custo ambiental, as integrantes do Grupo Bordados D’Ouro Preto usam fibras naturais para confeccionar roupas femininas bordadas à mão. O trabalho pode ser denominado de pintura de agulha, devido à perfeição e ao detalhamento que causa a impressão de ter sido pintado. 

Bordadeiras do Grupo Doninhas de Lavras Novas. (Foto: Pedro Augusto Rodrigues).

  

Um viva às mulheres rendeiras e bordadeiras

As mulheres bordadeiras e rendeiras dão continuidade à tradição, exercitam o prazer da criação e vão enfeitando o mundo, enchendo-o de poesia, alegria e refinamento. 

O reconhecimento do ofício de bordadeiras e rendeiras de Ouro Preto como patrimônio imaterial deixou felizes essas artistas. São elas que mantêm o legado dos antepassados, perpetuando, na ponta das agulhas e no colorido das linhas, o desenho da memória e da história.

 

Grupos e associações, em Ouro Preto:

Artes da Terra

Arte, Mãos e Flores

Associação de Artesãs de Amarantina

Associação de Arte, Artesanato, Cultura e Ofício do Bairro São Cristóvão (AACO)

Associação de Senhoras Artesãs – Grupo ASA

Bordados D’Ouro Preto 

Doninhas de Lavras Novas 

Grupo Colcha de Versos

Mulheres de Fibra 

Mulheres em Ação

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Mazé Torquato Chotil

Jornalista, pesquisadora e autora. Natural de Glória de Dourados (MS), morou também em São Paulo. Doutora em ciências da informação e da comunicação pela Universidade de Paris VIII, é pós-doutora pela École des hautes études en sciences sociales e vive em Paris desde 1985.