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J. Borges, o “príncipe da gravura”

12/05/2019 Valnísia Mangueira Arte e Música

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Foto: Xirumba Amorim 

“Se a gravura fosse um reino, você seria o príncipe”, foi dessa forma que o escritor e professor Ariano Suassuna descreveu a relevância do artista nordestino J. Borges, considerado o maior gravador do Brasil e um dos mais importantes do mundo.

Ser admirado por gente do quilate de Ariano Suassuna, José Saramago e Eduardo Galeano é prova mais do que suficiente da genialidade do cordelista e gravador J. Borges. Filho de agricultores, nascido no Sitio Piroca, na cidade de Bezerros, no agreste de Pernambuco, José Francisco já trabalhava com os pais na roça aos oito anos. Aos dez, começou a fabricar colheres de pau para vender nas feiras, usando as mesmas ferramentas que, anos depois, utilizaria para gravar imagens de dragões, serpentes, macacos, mulheres, seres mitológicos e pássaros, entre outros, nas placas de madeira que serviriam de matrizes para suas xilogravuras, mas, antes da imagem, veio a palavra.

Segundo Borges, o pai, um homem rústico, lia os livretos de cordel para os filhos. Naquela época, na década de 40 do século passado, o cordel, além de entretenimento, era o jornal. Através deles, as pessoas se informavam sobre os fatos importantes que nunca chegariam àqueles rincões onde não existia rádio nem periódicos (a televisão sequer havia chegado ao país). O menino se apaixonou pela literatura popular. Agora, escola mesmo, Borges só frequentou durante dez meses. Mas foi o suficiente para aprender a ler e escrever, além de dominar três das quatro operações matemáticas (o professor foi embora para Recife antes de começar a ensinar divisão).

Anos depois, após trabalhar na construção civil e em usinas, decidiu que ganharia a vida cantando e lendo cordéis. E foi assim que, em 1956, ele escreveu o primeiro folheto: “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina”. As xilogravuras usadas foram do Mestre Dila e o livro foi um sucesso. Animado, mas sem ter como pagar por novas ilustrações, Borges decidiu que, além de redigir o segundo cordel, iria ilustrá-lo. Usando a goiva e uma faquinha amolada, fez sua primeira xilogravura, a representação da igrejinha de Bezerros, que saiu no cordel “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião”. A partir daí, não parou mais de produzir matrizes para as próprias histórias – foram 314 cordéis – e para as de outros autores.

Mas a popularidade não veio fácil. Borges ganhou vulto quando os pintores cariocas Ivan Marquetti e José Maria de Souza encomendaram gravuras em tamanho maior que o padrão e deram uma delas ao dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta e professor Ariano Suassuna. Abismado com a criatividade e autenticidade daquele matuto, o mestre das letras quis conhecê-lo. Fez o convite e acabou levando o artista para uma coletiva com a imprensa em plena Universidade Federal de Pernambuco. Da afiliada da Rede Globo aos principais jornais impressos, J. Borges foi notícia e virou – da noite para o dia – um fenômeno. O ateliê em Bezerros começou a receber um número cada vez maior de pessoas, inclusive de outras partes do mundo. 

Humilde e bem-humorado, o mestre, no início, não entendeu o motivo de cair nas boas graças de tanta gente importante, mas a compreensão veio com o tempo. “Eu capto as coisas lá do Nordeste, que eu vejo e que eu sinto... o trabalho, o desenvolvimento, o atraso, o folclore, as festas e alegrias do povo. E eu trabalho em função desse público, pois quero deixar é o povo feliz, esse é o segredo do meu sucesso”, declarou em entrevista a um programa de televisão. E foi assim, sem intenção, que o artista teve seu trabalho exposto em galerias de diversas partes do mundo: França, Itália, Alemanha, Suíça, Cuba, Estados Unidos e Venezuela. Ganhou prêmios como a comanda da Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura; foi premiado pela Unesco e escolhido, com outros artistas, para ilustrar o calendário de 2012 das Nações Unidas. Também foi tema de matérias da mídia internacional, entre elas, o jornal The New York Times. 

 

Xilogravuras e Matrizes (Fonte: Reprodução Instagram Memorial J. Borges)

Cordel e memorial 

Os pesquisadores ainda não conseguiram entrar em consenso sobre quando o cordel chegou ao Brasil, mas a origem é certa: veio de Portugal. Os primeiros exemplares de cordel catalogados no Brasil são do período da chegada da Imprensa Régia ao país, em 1808, mas o formato não era o mesmo que se consagraria anos depois, mais especificamente, no final do século XIX. De lá para cá, a literatura de cordel se tornou um dos maiores ícones da cultura nordestina, influenciando os mais variados segmentos da “arte erudita”. E J. Borges foi e é fundamental na sobrevivência e valorização dessa produção. 

Quem quiser conhecer os trabalhos do mestre, e talvez até encontrá-lo pessoalmente, pode visitar o Memorial J. Borges, instalado no mesmo local da fábrica onde o artista e a família trabalham (juntamente com filhos, netos, bisnetos, noras e genros), às margens da BR 232, em Bezerros (PE). No local, podem ser vistos uma imensa exposição com cordéis, quadros e telas, além de canecas, talhas, camisas, azulejos e outros itens decorados com xilogravuras. A grande diferença para quem visita o local, e isso pode ser atestado nos sites de opinião de viajantes, é que o preço cobrado no Memorial é muito mais justo do que os valores inflacionados aplicados por revendedores das obras de Borges. Como ele sempre diz: “Eu quero mostrar o quanto o meu Nordeste é rico e quero levar alegria para o povo”. Amém!

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Valnísia Mangueira

Jornalista especialista em Comunicação Empresarial (PUC-PR), atua, há duas décadas, em assessorias de comunicação. Já trabalhou em órgãos e instituições públicas e privadas, além do terceiro setor. Entusiasmada pelo Jornalismo, acredita que o acesso à informação pública é um direito de todos os cidadãos.