13/05/2019 Eveline de Abreu Textos contemporâneos
A Bahia de hoje em dia, antes de qualquer cor, é mesmo negra e mestiça.
Os brancos que aqui chegaram – e mandavam vir de África homens e mulheres para lhes aumentar a riqueza de minas e lavouras e também cuidar da casa e da cria – logo cismaram com a origem e razão de tanta altivez e vigor; logo se encantaram com a beleza daqueles corpos; e cobiçaram para si a maciez do veludo escuro de suas peles.
Foto de negra tirada na Bahia (c.1870), de Alberto Henschel. (Fonte: Commons Wikimedia / File: Alberto_Henschel_Bahia_1.jpg).
A culinária daquela gente, de mãos laboriosas, de carapinhas lanosas e lábios carnudos, que podia ser comprada, vendida ou trocada na América portuguesa, ia transformando as sobras da mesa da casa-grande em iguarias, com temperos insuperáveis no sabor e nos cheiros.
A música e o ritmo, vindos com eles nos navios negreiros, foram moldando pouco a pouco o gosto de quem achava poder açoitá-los neste lado de cá do Atlântico.
Nègres à fond de calle (1830), de Rugendas, que representa o poema épico "Navio Negreiro", de Castro Alves, narrando o episódio da história do mundo quando os negros eram tazidos em navios depois de capturados na costa africana. (Fonte: Commons Wikimedia / File: Navio_negreiro_-_Rugendas_1830.jpg).
Os deuses, orixás e entidades do candomblé – uma derivação das religiões iorubás – não devem em nada à sofisticação da mitologia grega para explicar a criação e o funcionamento do mundo. Se antes abominado e perseguido pelo imperioso desejo de cristianização do colonizador escravocrata, Igreja e Estado, de há muito o candomblé é reverenciado e tido como integrante inseparável da nossa cultura e folclore.
Escravas a caminho do batismo (1822), de Jacques Arago. (Fonte: Commons Wikimedia / File: Jacques_Etienne_Arago_-_Escravas_a_caminho_do-batismo.jpg).
“Ojuobá ia lá e via Ojuobahia
Xangô manda chamar Obatalá guia
Mamãe Oxum chora lagrimalegria
Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ia
Ojuobá ia lá e via...”
(Milagres do povo – de Caetano Veloso)
O jeito melodioso de falar – ah, esse então! – influenciou para sempre sinhazinhas e sinhozinhos criados no peito e no braço das amas de leite, assim como impregnou o sotaque de seus filhos e netos e bisnetos, até nos alcançar indistintamente. Acredite quem quiser, não é exagero afirmar que, de tanta musicalidade, é possível se reproduzir a entonação da fala dos baianos no teclado de um piano.
Se não fossem aqueles estrangeiros, hein?
Escravos brasileiros (c.1820), de Henry Chamberlain. (Fonte: Commons Wikimedia / File: Henry_Chamberlain--_Escravos_brasileiros.jpg).
Créditos imagem página incial: Escravas negras oriundas de diversas tribos africanas trazidas para o Brasil (1835), de Jean-Baptiste Debret (Fonte: Commons Wikimedia / File: E70_p22.jpg).
Publicitária e redatora. Descobriu a vocação para ensinar quando dirigia a assessoria de comunicação de um órgão público e precisou treinar e capacitar estudantes de jornalismo. Desde 2007 na Europa, adaptou esta experiência exitosa à versão digital e fundou a Incubadora de Escritores – serviço on-line de análise e parecer, apoio no desenvolvimento de textos, capacitação e revisão de conteúdo. A nostalgia do Brasil a levou a cozinhar e anotar receitas, na tentativa de compensar pela boca a saudade que lhe invadia o coração. O resultado tem sido a culinária natal, reinventada com produtos locais, e textos de dar água na boca.