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Walter Franco - Para dar de comer à inventividade

24/11/2019 Felipe Tadeu Arte e Música

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As feições do artista, quando sua arte eclodiu na televisão brasileira. (Foto: Felipe Tadeu).

 

NO AR!

(Locutor) - O Radar Brasil* de hoje estende seu tapete verde encantado para dar passagem a um mestre da música brasileira. Um trangressor, um poeta singular, um músico vanguardista de grande originalidade, que mesclou Taoismo com poesia concreta, arte pop de substância inquestionável. Ele disse uma vez:  “Viver é afinar o instrumento. De dentro pra fora, de fora pra dentro”. Franco. Walter Franco.

O nome dele é esse. Sua obra musical é essa, que vamos começar a mostrar agora. Um pouco dela. Um pouco muito luminoso. Um especial feito com carinho para as pessoas que cultivam a paz dos elefantes e de outras criaturas de leveza destoante. Respire fundo, que vem aí boa música!

(Música: “Respire Fundo”)

(Locutor) Está lá no dicionário organizado por Antônio Houaiss: “Franco”: Desembaraçado, livre de qualquer estorvo. Leal, sincero, não dissimulado, verdadeiro. Independente, não sujeito a outros. Espontâneo, não constrangido”.

O cantor e compositor nascido em São Paulo, Walter Rosciano Franco, que partiu para as paragens silenciosas aos 74 anos em 24 de outubro último, lançou apenas seis discos em sua carreira, o que dá cerca de um álbum por década, mais ou menos. E daí? Plenitude para ele é isso: deixar a fruta acordar para ser servida. Augusto de Campos, o poeta concretista, ensaísta, tradutor, autor do livro “Balanço da Bossa”, sentenciou o seguinte sobre o músico: “Quando Walter Franco apareceu de ‘Cabeça’ na música brasileira, quase não tinha antecedentes. Nem os protagonistas da Tropicália tinham ido tão longe. Era música concreta ‘in concreto’”, escreveu Augusto no encarte do álbum duplo da série Dois Momentos, produzido por Charles Gavin. 

A gente abriu o programa Radar Brasil de hoje com “Respire Fundo”, do disco de mesmo nome, lançado em 1978. Agora é a vez de ouvirmos Walter cantar “O Relógio”, composta por Vinícius de Moraes e Paulo Soledade, tema da trilha-sonora do musical “A Arca de Noé”. Depois vem a faixa “Zen”, com letra de Cristina Vilaboim e música de Walter Franco.

(Músicas: “O Relógio” e "Zen")

Capa do último álbum gravado por Walter Franco, de 2001. (Foto: Divulgação).

 

(Locutor) Walter Franco nasceu numa família muito ligada às artes. Ele chegou à música pelas mãos da poesia, estudando arte dramática na Universidade de São Paulo, a USP, onde começou a compor música para peças teatrais. Mas foi nos festivais de televisão na década de 70 que o artista teve a primeira oportunidade de mostrar seu ousado talento artístico para o grande público. Tal ousadia causou muita estranheza junto às plateias da televisão, mas ganhou, no entanto, a coroação imediata das cabeças mais pensantes, sendo aplaudida pela crítica especializada. 

Walter Franco foi muito vaiado quando apresentou sua composição “Cabeça” no festival de música popular realizado pela Rede Globo no ano de 1972. Walter adorava participar daqueles certames televisionados! Numa entrevista prestada ao jornalista Marco Antônio Barbosa, do site musical Cliquemusic, Walter afirmou: “Festivais são uma maravilha para gente como eu, que não pode contar muito com marketing ou apoio da mídia. É um instrumento veloz para o reconhecimento de talentos. Nunca tive preconceitos sobre os festivais”. A gente escuta agora então “Cabeça”, música que revelou Walter Franco, numa releitura que o artista fez para o seu disco “Tutano”, que saiu no Brasil em 2001.

(Música: “Cabeça”)

(Locutor) Quem ouve “Cabeça” não esquece o coração. Agora é a hora de “Coração Tranquilo”, canção que ficou ainda mais linda com a participação de Sivuca, seguida de “Berceuse dos Elefantes”. 

(Músicas:  “Coração Tranquilo” e "Berceuse dos Elefantes")

(Locutor) Depois de participar do festival da Globo em 1972 com “Cabeça”, Walter Franco voltou à mesma emissora, concorrendo no festival Abertura, de 75, com uma obra intitulada “Muito Tudo”, com a qual conquistou o terceiro lugar. Nossa próxima sequência se abre com ela, “Muito Tudo”, e depois a gente põe pra rodar “Mamãe D’água”, onde Walter Franco deita e rola nas esferas da poesia concreta, inspirado pelos irmãos Campos. A sonoridade de “Mamãe D’água” nos remete à fase solo, pós-Beatles, de John Lennon. O mesmo Lennon citado em “Muito Tudo”, que aparece na letra desta ao lado de João Gilberto. E fechando o bloco, “Cachorro Babucho”. ( Diga au-au-au).

(Músicas: “Muito Tudo”"Mamãe D'água" e "Cachorro Babucho")

(Locutor) A força incontestável da música de Walter Franco ganhou, em 1974, o reconhecimento e a admiração de Chico Buarque, que chegou a incluir uma música dele, “Me Deixe Mudo”, em seu disco “Sinal Fechado”, numa época super barra - pesada, com a censura do regime militar proibindo a grande arte de se manifestar. Depois de “Me Deixe Mudo”, com o Chico, nós ouviremos “Água e Sal” e “Quem Puxa os Seus Não Degenera”.

(Músicas: “Me Deixe Mudo” "Água e Sal" e "Quem Puxa os Seus não Degenera")

(Locutor) O disco mais recente de Walter Franco foi “Tutano”, de 2001. O cantor e compositor brasileiro nunca teve pressa. Ele entendia das coisas. Com toda certeza, sua gaveta deve estar cheia de lindas canções rascunhadas, poemas-de-bem-me-quer, coisas que a qualquer hora dessas devem resultar num novo disco, um tributo póstumo, parcerias com amigos que irão musicar seus versos. Que assim seja o que ele foi.

(Música: “Senha do Motim”

 

* O programa Radar Brasil, dedicado exclusivamente à música brasileira, vai ao ar pela Radio Darmstadt, Alemanha, sempre na quarta 5a feira do mês, das 18 às 19h, no fuso horário alemão. O programa é bilíngue, numa produção de Ana Claudia Krause, Gustavo Gomes & Felipe Tadeu. O Radar Brasil pode ser acessado via internet, no horário de transmissão, clicando aqui.

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Felipe Tadeu

Jornalista freelancer e produtor radiofônico do Radar Brasil, programa bilíngue alemão-português que vai ao ar mensalmente pela Radio Darmstadt, Alemanha. Trabalhou para a rádio e para o site da Deutsche Welle por mais de quinze anos, tendo colaborado também para a Cliquemusic e o Jornal Musical, editados por Tárik de Souza. Escreveu para as revistas alemãs Jazzthetik, Humboldt, Tópicos e Matices, para o Frankfurter Allgemeine Zeitung, além da Radio Hessischer Rundfunk 2 e as publicações brasileiras International Magazine e Outracoisa, dentre outras. É pai do Gustavo.