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Luzia Rennó Moreira, a mãe do “Vale da Eletrônica”

30/04/2019 Beatriz Mello Mulheres Brasileiras

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Instituto Nacional de Telecomunicações - Inatel(Fonte: Arquivo do Centro de Memória Inatel).

Santa Rita do Sapucaí é uma cidade de pouco mais de 40 mil habitantes no interior de Minas Gerais. Como muitas outras do interior, lá tem praça com coreto. Mas não se engane, apesar da tranquilidade e certo ar bucólico, é lá que se encontra o “Vale da Eletrônica”, um dos principais polos de tecnologia do país. Nesta cidadezinha, acontece também o HackTown, um dos mais importantes festivais de inovação, tecnologia, negócios e cultura do Brasil. Inspirado no festival americano South by Southwest (SXSW) – maior festival de inovação do mundo –, o evento promove o encontro de pessoas envolvidas em diferentes segmentos para falar sobre inovação, tecnologia e cultura e compartilhá-las. 

A escolha desta pequena cidade para sediar o festival não é à toa. Santa Rita do Sapucaí abriga mais de 150 empresas de tecnologia e startups de ponta e conta com três grandes centros de estudos tecnológicos: Escola Técnica de Eletrônica (ETE), Centro de Ensino Superior em Gestão, Tecnologia e Educação (FAI) e Instituto Nacional de Telecomunicações (INATEL). Desde sua criação, nos anos 60, estes institutos são responsáveis pela formação de milhares de profissionais de ponta, responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia no país. 

O que poucos sabem é que o “Vale da Eletrônica” é a realização do sonho de uma mulher visionária: Luzia Rennó Moreira, mais conhecida como Sinhá Moreira. 

Filha de uma das famílias mais influentes de Minas Gerais, Luzia foi criada para ser dona de casa, assim como outras mulheres de sua época e classe social.  Porém, apesar do apelido que remete a um passado escravocrata, o legado de Sinhá Moreira se deu em outra direção. Ela usou a influência política de sua família para desenvolver e mudar o futuro: criou o primeiro centro tecnológico de eletrônica da América Latina, a Escola Técnica de Eletrônica (nível médio) “Francisco Moreira da Costa”. 

Luzia Rennó Moreira (Fonte: Arquivo do Centro de Memória Inatel). 

Uma mulher que viajou o mundo e voltou encantada com o desenvolvimento tecnológico

Quem nos conta mais sobre a história de Sinhá Moreira é Patrícia Vigilato, historiadora do Centro de Memória do INATEL. Segundo Patrícia, apesar de claramente ter privilégios devido a sua classe social, a história de Luzia Rennó Moreira nem sempre foi livre e fácil. Casou-se de forma arranjada com o primo, um diplomata.  Não teve filhos. O casamento, no entanto, permitiu-lhe conhecer o mundo. Morou no México e Estados Unidos e conheceu o Japão, China e muitos outros países onde teve contato com o desenvolvimento científico e tecnológico. Ficou encantada com o progresso que as descobertas tecnológicas proporcionavam a estas nações e isso ampliou seus horizontes. 

Seu casamento, no entanto, não deu certo e, ao retornar ao Brasil, em 1941, divorciou-se. Luzia era muito querida por todos e era idealizada pela sociedade. Essa imagem nunca foi ofuscada, mesmo tendo ela se divorciado naquela época.

Ao voltar para Santa Rita do Sapucaí, cuja base econômica ainda era a plantação do café, deparou-se com a estagnação e a falta de perspectivas para os jovens da cidade. Em conversa com seu amigo Walter Telles, que havia participado de uma palestra ministrada por Albert Einstein sobre eletrônica, convenceu-se de que, para mudar a perspectiva de futuro do lugar onde nascera e dos jovens que lá moravam, era preciso investir em educação e na formação de profissionais neste campo. Ela estava convicta de que o futuro do desenvolvimento do país estaria necessariamente relacionado à expansão das telecomunicações e que, portanto, faltaria profissionais com esta expertise. Decidiu, então, fundar uma escola de formação técnica em eletrônica. 

Sinhá Moreira consultou diversos especialistas e pessoas influentes que a ajudaram a construir um projeto robusto e bem estruturado. Além disso, buscou envolver professores e padres em seu projeto, engajando-os com seu propósito. Usou a influência política de sua família para alcançar seu objetivo e viajou ao Rio de Janeiro para falar pessoalmente com Clóvis Salgado, ministro da educação do governo de Jucelino Kubischeck, então presidente do Brasil. Criou-se um decreto que autorizava a criação da escola e, em 1959, a Escola Técnica de Eletrônica (ETE) foi inaugurada.   

 

Construção da Escola Técnica de Eletrônica (Fonte: Arquivo do Centro de Memória Inatel).

Educação e Inclusão

Segundo Patrícia, a preocupação de Sinhá Moreira ia além de promover novas perspectivas de futuro para os jovens; ela queria, também, que todos tivessem acesso a estas oportunidades, independentemente de seu nível social e econômico. Por isso, promoveu a distribuição de bolsas de estudos que incluíam desde a alimentação até os materiais necessários para colocar em prática o aprendizado. Assim, possibilitou que jovens de famílias de baixa renda também se tornassem alunos da escola.

Infelizmente Sinhá Moreira não conseguiu acompanhar o desenvolvimento das sementes que plantou. Já vivia no Rio de Janeiro, cuidando de um câncer, quando a primeira turma da ETE se formou. Faleceu no ano seguinte, em 1963, mas até hoje é reconhecida e valorizada pela visão de futuro e empreendedora que teve na época.  

Patrícia afirma que a ETE foi o pontapé inicial para a transformação da cidade em polo de tecnologia e inovação do país. A escola foi, por exemplo, a fonte inspiradora e uma das bases de sustentação do Instituto Nacional de Telecomunicações (INATEL), um dos principais centros de referência na formação de engenheiros e engenheiras no país. Criado em 31 de março de 1965, em seu início, o instituto precisou improvisar os locais de seus cursos e laboratórios, utilizando as instalações da ETE.

O legado de Luzia Moreira

Hoje, o Vale da Eletrônica conta com 45 cursos relacionados à eletrônica, mais de 150 empresas, 31 startups e 3 incubadoras e se consolidou como o terceiro maior polo de desenvolvimento no setor da eletrônica, segundo dados do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel). 

Para Patrícia, Luzia Moreira foi um marco no desenvolvimento e progresso de Santa Rita do Sapucaí e, conseguintemente, do Brasil. Além disso, a historiadora reforça a importância da trajetória da visionária na valorização e empoderamento das mulheres até os dias de hoje, afinal ela é referência da participação feminina no desenvolvimento tecnológico não apenas de uma cidade, mas de uma nação. 

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Beatriz Mello

Beatriz Mello é curiosa por natureza e publicitária e cientista social por profissão. Trabalhou em empresas de mídia como Globosat, Viacom e Discovery. Vive em Berlim, onde, recentemente, especializou-se em Liderança Criativa e fundou a “Tropical Intelligence- Insigthfull Data Storytelling”, uma consultoria de dados para indústria criativa. É uma brasileira de destaque na área de Dados e Conhecimento do Consumidor e escreve sobre outras mulheres que representam positivamente o Brasil.