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Joyce Moreno – Senhora de um Brasil bom de música

13/06/2019 Felipe Tadeu Arte e Música

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Foto: Capa do penúltimo disco, assinada por Shinichi Sugaya

Em 2018, uma das mais profícuas artistas da música brasileira comemorou, com a discrição que lhe é característica e merecido orgulho, o cinquentenário de sua carreira discográfica. Vivendo a vida que escolheu para si, escreveu novas canções no Rio de Janeiro e em outras paragens, reviu amigos, abraçou família, almoçou com a Clara, com a Ana (as filhas que serviram de musas para compor "Clareana", seu sucesso mais popular, composta com Maurício Maestro) e ligou via Skype para a Mariana, lá na Alemanha. E viajou e cantou pelo mundo. Sim, viajar e cantar pelo Japão, por exemplo, Canadá, Inglaterra é mesmo coisa que a artista Joyce sempre fez, desde os idos dos anos 70, época em que era integrante da banda de Luizinho Eça, no México, e, depois, acompanhando Vinicius de Moraes pela América Latina e parte da Europa. Porque a música brasileira que ela faz e representa é mesmo universal e bem querida. Porque a Joyce ama o que faz e por isso vai longe. 

Por falar em Vinicius de Moraes, foi o poeta maior da Bossa Nova que escreveu a carta de apresentação aos ouvintes na contracapa do álbum de estreia dela, o disco "Joyce" do emblemático ano de 1968. Um requinte e tanto, e muita responsabilidade! Pois bem, Joyce também se deu de presente, em 2018, pelos "cinquentinha", esse mesmo disco regravado, onde interpreta as cinco primeiras músicas de sua autoria, acrescidas de duas novas parcerias, uma com Zélia Duncan e outra com Jards Macalé (que já estava no álbum como autor), além das outras todas de Caetano Veloso, Toninho Horta, Ronaldo Bastos, Francis Hime, Paulinho da Viola, Ruy Guerra e o próprio Vinicius. "Joyce Moreno 50" saiu no Brasil pela Biscoito Fino. 

Já nesse 2019 em que estamos, como não poderia deixar de ser, a Europa está de novo no roteiro de seus concertos pelo mundo afora. Ela se apresentará na Dinamarca e na Suécia, depois de uma escala nos Estados Unidos. A intimidade com a cena europeia, regada regularmente como deve ser, se reflete também na generosa safra de discos que lançou no tal "velho continente". O primeiro vinil saiu na Itália em 1976, o "Passarinho Urbano", que teve como produtor Sérgio Bardotti. Depois viriam outros álbuns, como o "Visions of Dawn", também de 76, gravado em Paris ao lado de Naná Vasconcelos e Maurício Maestro, mas só lançado em 2009 pelo atento selo inglês Far Out, que tem muitos títulos da artista carioca no catálogo. Na Alemanha, além do "Live at the Mojo Club" (Polygram), registrado em 1995 em Hamburgo, foi produzido o belo tributo que ela e uma orquestra alemã gravaram à luminosa obra de Tom Jobim, o "Joyce with WDR Big Band Celebrating Jobim", de 2009, que saiu no Japão, e que traz arranjos de Gilson Peranzzetta, Jacques Morelembaum e Nailor Proveta. 

Foto: A inspirada letrista com o mestre vencedor do Prêmio Camões de 2019: Chico Buarque. Por Lizzie Bravo. 

As letras e o Jornalismo 

Além de seu grande talento como intérprete vocal e violonista, Joyce Moreno também domina a arte das palavras, compondo canções de muita personalidade, com aguçadas observações do cotidiano feminino, que fazem dela um caso muito à parte na música brasileira. Um dom que ela também aprimorou ao estudar Jornalismo, outra paixão sua, que quase se tornou a principal profissão. Em álbuns como o clássico  "Feminina" (1980), o "Tardes Cariocas" (1984) e "Banda Maluca" (2004), lá está a Joyce em estado de graça poética. Quem já é fã da compositora de "Mistérios", "Clareana" e "Revendo Amigos" vai, com certeza, passar a gostar ainda mais dela se ler também  seu livro de crônicas "Fotografei Você na Minha Rolleyflex" (Multimais Editorial, 1997) - textos muito sensíveis, bem humorados, escritos por uma mestre da nossa música, que tem profunda consciência do quanto é preciso compor e cantar. Mais do que nunca, é preciso cantar e animar a cidade... a do Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo. Em seu interessante blog, Joyce mostra mais da sua versatidade em textos que transitam entre novidades, fatos do cotidiano e reflexões políticas.

Com as virtudes que ela tem, já eternizadas nos quase quarenta álbuns que gravou, colhe, aqui e ali, em Nova York, Colônia ou Madri, o reconhecimento da crítica e dos companheiros de Música, como o do seu conterrâneo Ruy Castro, que setenciou: "Filha ou neta da Bossa Nova, Joyce parece ter vivido todas as épocas de ouro da música brasileira. Sua música ecoa os salões da Belle Époque, as biroscas dos morros, os cabarés da Lapa, as gafieiras da Praça Tiradentes, as areias de Copacabana e Ipanema, os festivais do Maracanãzinho e, literalmente, muita estrada pela vida, inclusive a que leva ao futuro. É uma mulher caminhando por um mundo de homens, com um violão nas costas e os cinco sentidos postos na beleza". 

 

Revendo Amigos - Joyce 

Vontade de rever amigos

Os gestos de sempre, a risada em comum

Contando as histórias e os casos antigos

As músicas novas

Sem moda, sem tempo nenhum 

Vontade de rever amigos

Dizer que estou solta na minha prisão

Gritar pras pessoas

Vem cá que eu tô viva

Me tira a tristeza de dentro

Do meu coração 

Saber quem morreu

Perguntar quem chegou de viagem

Se foi porque quis

Explicar que o amor me pegou de mal jeito

Mas tudo somado acho que fui feliz 

No entanto, cadê meus amigos

Vai ver que a poeira do tempo levou 

A barra da vida tem muitos perigos

E a gente se afasta sem querer

Se esquece sem querer

Se perde dos velhos amigos.

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Felipe Tadeu

Jornalista freelancer e produtor radiofônico do Radar Brasil, programa bilíngue alemão-português que vai ao ar mensalmente pela Radio Darmstadt, Alemanha. Trabalhou para a rádio e para o site da Deutsche Welle por mais de quinze anos, tendo colaborado também para a Cliquemusic e o Jornal Musical, editados por Tárik de Souza. Escreveu para as revistas alemãs Jazzthetik, Humboldt, Tópicos e Matices, para o Frankfurter Allgemeine Zeitung, além da Radio Hessischer Rundfunk 2 e as publicações brasileiras International Magazine e Outracoisa, dentre outras. É pai do Gustavo.