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Grupo Corpo – Uma Companhia de Dança escreve seus milagres

29/04/2019 Felipe Tadeu Arte e Música

Foto: Reprodução/ Divulgação Programa Aschaffenburg

Já vai longe o ano de 1975, quando Paulo Pederneiras resolveu fundar, na cidade de Belo Horizonte, um grupo de balé que viria a se estabelecer no cenário cultural brasileiro como referência máxima de dança de um país exuberante em termos de produção musical - uma iniciativa tão incerta quanto apaixonante, até porque nascida fora do limitante eixo Rio-São Paulo. Um ano depois, o Corpo subiria aos tablados para montar seu primeiro trunfo em termos de espetáculo, o balé “Maria Maria”, com música de Milton Nascimento, roteiro de Fernando Brant e coreografia do argentino Oscar Araiz. Foi um sucesso e tanto, que se estendeu por seis anos, levando a companhia a se apresentar em quatorze países, algo não imaginado por Paulo e também por seu irmão Rodrigo Pederneiras, que começou como bailarino do Corpo e, a partir de 1978, viria a se tornar seu principal coreógrafo.

Iniciar sua história calcando-se na frondosa musicalidade de Milton Nascimento, que em 1975 acabara de lançar aquele que é, para muitos, o melhor título de sua discografia, o “Minas”, e já a caminho de finalizar o também admirável “Geraes”, de 1976, deu ao Corpo solidez fundamental para prosseguir ousando. Em 1978, o grupo se dava ao „luxo“ de inaugurar sede própria, dando provas de que, também sob o ponto de vista administrativo, os irmãos Pederneiras e toda sua equipe de sonhadores – dentre eles, a notável figurinista Freusa Zechmeister -,  conheciam muito bem o chão em que bailavam. Em 1980, voltariam a dançar uma trilha de Milton em “Último Trem”, que reunia de novo o trio Brant-Araiz-Nascimento. “Uma companhia brasileira tem grande diversidade física. Ninguém se movimenta igual a ninguém, nem por isso se perde a ideia de conjunto. É aí que a dança ganha força”, percebe o diretor geral e artístico do grupo, o mesmo Paulo que também é o responsável pela iluminação e cenários. 

Foto: Reprodução/ Divulgação Cartaz de um dos primeiros espetáculos do Grupo Corpo

Nestes quarenta e quatro anos de existência, o Grupo Corpo já realizou trinta e cinco coreografias, totalizando mais de duas mil e duzentas apresentações pelo mundo. A prática de recorrer a trilhas sonoras compostas especialmente para eles por renomados compositores da música brasileira acabou se tornando uma marca indelével do Corpo, sejam os autores ligados à canção-popular ou ao experimentalismo mais aguçado, rendendo sempre os melhores elogios da crítica especializada e magnetizando plateias muito além da gênesis em Belo Horizonte. Vale destacar espetáculos como “Parabelo”, musicalmente composto pelo eterno tropicalista Tom Zé em parceria com Zé Miguel Wisnik, ou “Benguelê”, com trilha assinada por João Bosco, outro dos mineiros convidados pela companhia para compor para balé. E o que dizer da enorme contribuição que Marco Antonio Guimarães e o Uakti deram à história do Corpo, gerando espetáculos como “21” e “Bach”,  criação livre de Guimarães sobre a obra do compositor clássico alemão Johann Sebastian Bach, barroco como a alma das Minas Gerais? Rodrigo Pederneiras faz questão de ressaltar o trabalho em conjunto com o extinto grupo musical que, em sua origem, seguia a filosofia do suíço pioneiro Walter Smetak e seus instrumentos mais imprevisíveis. “Foi só em 1988, ao trabalhar em Uakti, que comecei a pensar no que seria fazer uma dança mais dentro do nosso corpo”, revela o coreógrafo no site do Corpo.

Na Alemanha, em 2019

Em março deste ano, a companhia dos irmãos Pederneiras esteve de novo de passagem pela Alemanha, apresentando-se em Hannover, Karlsruhe e Aschaffenburg, dentre outras cidades, perfazendo nove noites de casas cheias. As obras mostradas desta vez foram “Dança Sinfônica”, criada sobre a música de Marco Antonio Guimarães composta para o 40° aniversário do Corpo em 2015, e “Gira”, de trilha escrita pelo Metá Metá e que aborda os ritos da Umbanda, mesclando uma sonoridade intrigante que agrega elementos folclóricos, free-jazz e vanguarda eletrônica. Os vinte bailarinos da companhia encantaram o público europeu com renovadas exibições de rara vitalidade, surpreendendo pela graça e originalidade dos jogos coreografados por Rodrigo Pederneiras, desempenhados impecavelmente por dançarinos que vieram de um lugar chamado Música, cujos primeiros habitantes dançavam para o sol, a lua e a chuva. 

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Felipe Tadeu

Jornalista freelancer e produtor radiofônico do Radar Brasil, programa bilíngue alemão-português que vai ao ar mensalmente pela Radio Darmstadt, Alemanha. Trabalhou para a rádio e para o site da Deutsche Welle por mais de quinze anos, tendo colaborado também para a Cliquemusic e o Jornal Musical, editados por Tárik de Souza. Escreveu para as revistas alemãs Jazzthetik, Humboldt, Tópicos e Matices, para o Frankfurter Allgemeine Zeitung, além da Radio Hessischer Rundfunk 2 e as publicações brasileiras International Magazine e Outracoisa, dentre outras. É pai do Gustavo.