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Cuiabá, 300 anos

28/02/2019 Emerson Penha Raízes Culturais

© Trailer Horizonte Filmes

Ouvir sobre Mato Grosso, estado do Centro-Oeste do Brasil que faz fronteira com a Bolívia, logo traz ao pensamento a pujança do agronegócio brasileiro e a riqueza sem fim do Pantanal Mato-grossense, com suas centenas de espécies endêmicas ali preservadas. Mas a bela capital do estado, Cuiabá, com sua diversidade exuberante, completa três séculos com orgulho de suas origens e foco em seu futuro.

Naquele tempo, o vasto Império Português, onde o sol nunca se punha, ia do extremo Ocidente, na América, até Macau e Cantão, na China, passando pela África e pelo Timor Leste, lá na Oceania. Sustentar esse meio-mundo demandava mais e mais fontes de riqueza. Com isso, no território que hoje conhecemos como Brasil, os bandeirantes foram se aventurando cada vez mais longe em direção ao oeste do país que nascia. Quando o ouro foi finalmente descoberto, a notícia logo correu. E a vila de garimpeiros ganhou forma, aos poucos. O lugar começava a aparecer nos mapas já no fim do século XVII como Território de Cuiabá ou Vila do Cuiabá. O nome teve origem no enorme rio que corta a cidade e é um dos formadores do Pantanal Mato-grossense. 

Entre os pesquisadores, uns dizem que o nome Cuiabá vem da língua falada pelos índios Bororo: “iku-iapá“ significa “lugar onde se pesca com flecha”. Já em Tupi, quer dizer “lugar de farinha”; em Guarani, “rio das lontras brilhantes.” Em um país que ainda guarda vivos mais de duas centenas de idiomas indígenas, difícil dizer qual é a versão certa. A mais simples é a que diz que o nome está relacionado às árvores da beira d’água, que dão as cabaças de que são feitas as cuias, recipientes usados pra tudo.

O vilarejo seguiu modesto até o princípio do século XX, quando ali nasceu o poeta Manoel de Barros. O velho mestre descreveu a Cuiabá de seu tempo de criança como um lugar “de garimpos e vielas entortadas.” Hoje, seus 600 mil habitantes circulam por ruas lotadas de automóveis e crivadas de arranha-céus de chamar a atenção de qualquer visitante. O turismo, o agronegócio e a prestação de serviços foram os motores dessa transformação.

Aqui estão ainda hoje os descendentes daqueles indígenas e aventureiros que formaram a cidade e que se somaram aos tantos outros brasileiros de regiões distantes do país e também estrangeiros que para ali se mudaram a fim de construir suas vidas. “Cuiabá é „agarrativa“. Não é você que escolhe a cidade, ela é que escolhe você”, diz o escritor e dramaturgo Guapo, que há mais de 30 anos deixou Cáceres, na fronteira boliviana, para viver na capital, amada por seus filhos naturais e pelos adotivos.

O sotaque cuiabano não se parece com nenhum outro. Além das várias influências indígenas, ainda teve um toque dos espanhóis que estavam logo ali, do outro lado da fronteira – e, claro, dos lusitanos colonizadores da região. Em Cuiabá o português tem pronúncias escandidas, palavras com acentuação diferenciada e uma velocidade própria. Os cuiabanos são gentis e receptivos, tratam essa característica com bom humor. A cidade é viva, colorida, com um comércio vibrante e uma culinária única. É um enorme prazer caminhar pelas ruas, comer os peixes que seus restaurantes oferecem e ouvir suas músicas tocadas nas violas de cocho, em ritmos diferentes como o Cururu e o Siriri. Uma visita que, sem dúvida, vale a pena. Viva Cuiabá e que venham mais 300 anos!

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Emerson Penha

Jornalista e documentarista. Já passou pelos principais canais de TV do Brasil e foi correspondente na América Latina e na África.