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60 anos de Bossa Nova

27/11/2018 Larissa da Costa Arte e Música

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Foto: Pearse O'Halloran

A palavra “bossa” é oriunda do francês "bosse" e significa protuberância. 

No Brasil, além do seu significado literal, ganhou alguns sentidos figurados: aptidão e propensão. No final dos anos cinquenta, tornou-se gíria entre os jovens cariocas, que a usavam para se referir a alguém que fazia algo de modo diferente, original. Dizia-se que este alguém tinha “bossa”. Se uma pessoa redigia bem, dizia-se “fulano tem bossa de jornalista”. 

O movimento surge, portanto, com o intuito de buscar algo de novo e, com isso, os jovens cariocas se unem em prol da inovação musical. 

A polícia e a economia tiveram grande influência no surgimento deste movimento de mudança e renovação. O Brasil estava em meio ao processo de urbanização e industrialização promovido pelo governo Juscelino Kubitschek, com uma política desenvolvimentista realçada pelo lema “cinquenta anos em cinco”. O país vivia uma época de euforia e renovação e deixava de ser um país essencialmente agrário para começar a ser industrializado. 

Esta euforia foi espelhada no âmbito cultural. O discurso de modernização tinha fortes vínculos com a ideia de cosmopolitismo, e, sob tal aspecto, surgiu a possibilidade de transformar o Brasil em uma referência cultural internacional. 

Nesta conjuntura, a Bossa Nova representava culturalmente o espírito de modernização pelo qual o país estava passando. Se, por um lado, reafirmava a tradição musical brasileira ao ter o samba como referência, por outro, apresentava notas do jazz norte-americano nas formas de interpretação e ritmo desacelerado. 

Além disso, nota-se a urbanização do país nas letras de várias canções na medida em que citam experiências em grandes cidades, o movimento de pessoas nas calçadas ou o trânsito dos automóveis nas ruas asfaltadas. 

A Bossa Nova surgiu de reuniões casuais de músicos da classe média carioca em apartamentos da Zona Sul, como os de Nara Leão, Carlos Lyra e Roberto Menescal, percursores do movimento. Estes dois rapazes, que viviam da mesada dos pais ricos, viram nas aulas de violão a possibilidade de romper com as tradições familiares e se tornarem independentes financeiramente. Assim, passaram a oferecer seus serviços para os jovens da classe média do Rio. Nara Leão, então com apenas 14 anos, foi uma das alunas da “Academia do Violão”. 

Os encontros casuais nos apartamentos se tornaram frequentes e conhecidos, chamando a atenção de outros músicos, como João Gilberto, que, num belo dia, bateu no apartamento de Menescal para “tocar alguma coisa”.

Os primeiros concertos foram realizados em âmbito universitário, por isso se considera o primeiro movimento musical do Brasil a ser egresso das faculdades. Com o passar dos anos, a música se tornaria popular, tomando conta dos bares do circuito de Copacabana. 

As principais influências da Bossa Nova foram o jazz norte-americano e o samba. Porém, muitos especialistas em música dizem que o choro, o blues e a moda de viola também foram influências importantes para este gênero musical. A Bossa Nova é marcada, em sua grande maioria, pelo tom coloquial e temas cotidianos da classe média carioca, cantada em voz baixa e calma, com letras poetizadas, principalmente as compostas pelo poeta Vinícius de Moraes. 

A canção “Chega de Saudade”, composta pela iniciante dupla Tom e Vinícius e gravada por João Gilberto em julho de 1958, é considerada o marco inicial do movimento, apesar de ter sido gravada pela primeira vez em abril do mesmo ano por Elizeth Cardoso. Isso se deve aos novos elementos que o compositor trouxe à canção: batidas sincopadas, voz suave e ritmo desacelerado. 

Em 1962, o movimento ganhou repercussão internacional ao se apresentar em um dos maiores templos culturais dos Estados Unidos, o Carnegie Hall, em Nova York. Esta apresentação se deu graças ao empenho da gravadora americana Audio Fidelity e do Governo Brasileiro, através do Itamaraty. A pretensão inicial do executivo da gravadora, Sidney Frey, que foi ao Brasil para conhecer pessoalmente os músicos, era levar somente Tom Jobim e João Gilberto, mas acabou levando outros artistas importantes como Luis Bonfá, Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Roberto Menescal e Carlos Lyra, entre outros. 

A plateia lotada com mais de três mil pessoas prestigiou, assim, o lançamento internacional da Bossa Nova, que tocava juntamente com músicos do jazz americano, comprovando, assim, a influência da Bossa Nova no jazz e vice-versa. A primeira consequência imediata desse show foi o fato de muitos desses músicos americanos gravarem o repertório da Bossa Nova e isso serviu para que o gênero ganhasse o mundo e rompesse as suas fronteiras territoriais. A segunda, mas marcante, determinou que alguns dos músicos brasileiros trocassem o Brasil pelos Estados Unidos. Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Tom Jobim e João Gilberto abriram mercado por lá imediatamente depois daquela apresentação. 

Depois disto, foram lançados no mercado grandes sucessos do gênero, tais como “Garota de Ipanema”, lançado internacionalmente em 1964 em uma gravação de Astrud Gilberto e Stan Getz. Esta é considerada a segunda canção brasileira mais conhecida em todo o mundo, (depois de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso), com mais de 169 gravações, dentre as quais se encontram as de Sarah Voughan, de Frank Sinatra com Tom Jobim e de Ella Fitzgerald. 

Outros grandes sucessos da Bossa Nova são: Bim Bom, Ela é carioca, Águas de Março, Eu sei que vou te amar, O barquinho, Desafinado, Coisa mais linda, Corcovado e Insensatez. 

Não podemos deixar de mencionar outros grandes compositores da Bossa Nova como Ronaldo Bôscoli, Toquinho, Marcos Valle, João Donato, Baden Powell, Edu Lobo e Francis Hime.

O movimento da Bossa Nova durou um pouco mais de uma década e terminou em 1966, quando Elis Regina apresenta a música “Arrastão”, composta por Vinícius e Edu Lobo, no Festival de Música Popular Brasileira da extinta TV Excelsior. Era o fim da Bossa Nova e o início do que se intitularia MPB, gênero difuso que abarcaria diversas tendências da música brasileira até o início da década de 1980. 

É importante ressaltar que o término do movimento não significou o fim da criação musical da Bossa Nova, uma vez que muitos compositores e músicos atualmente buscam unir os tons melódicos ao samba brasileiro.  

João Gilberto vive recluso e não é visto em público desde 2008, quando fez shows por ocasião dos 50 anos da Bossa Nova. Desde então, as especulações acerca da vida privada do compositor não cessam. 

O jornalista e escritor alemão Marc Fischer, um apaixonado pela Bossa Nova, foi em busca de João Gilberto e escreveu um livro sobre a tentativa de encontrá-lo pessoalmente para entrevista, intitulado “Hobalala: auf der Suche nach João Gilberto”. Entretanto, o autor não veria seu livro publicado, pois faleceu inesperadamente aos 40 anos em Berlim. 

Intrigado e interessado por esta história, o diretor francês Georges Gachot filmou a trajetória do jornalista alemão e lançou o filme “Wo bist du, João Gilberto?” (Onde anda você, João Gilberto?”), que já está em cartaz na Suíça e na Alemanha desde 22 de novembro. 

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Larissa da Costa

Nascida em Porto Alegre e criada em Vacaria, na Serra Gaúcha, herdou dos seus pais a vontade de viajar. Advogada de formação, escritora de coração, aventureira por emoção, veio para a Europa em 2001 em busca de novos desafios e de seu lugar no mundo. Mãe de duas crianças, já trabalhou em diferentes áreas.